E se a gente levasse esse sentimento ao extremo?

( Marco e Igor estão na sala de Igor numa tarde de quarta-feira estudando para a prova final de Biologia, mais especificamente DNA, RNA e aminoácidos. Igor percebe que Marco está boiando no assunto mesmo depois de ter explicado várias vezes. )

Igor: um pouco agitado diz – Vamo lá cara, se concentra! Já te expliquei três vezes como faz isso, não pode ter T na fila protéica de RNA. – Percebendo ter aumentado seu tom de voz, fala com mais calma e de forma mais amigável – Não é tão difícil, só se concentra, foca na atividade que tu consegue.

Marco: Cara! – Diz, atirando seu caderno e a si mesmo no sofá, enquanto resmunga, continua – A gente já tá a quase uma hora preso nessas questões, eu não to conseguindo entender e só tô te atrasando – colocando as duas mãos no rosto diz – Pelo amor de Deus cara… só continua estudando aí, eu não vou fazer mais nada, vou ficar aqui mexendo no meu celular e é isso.

Igor: Sério isso? A gente já tá estudando há quase três horas e agora que tá quase no final tu decide que não quer mais estudar? Falta só esses exercícios, mais um capítulo da apostila, e aí a gente vê os tipos de RNA e acabou, só isso.

Marco: Orra, têm tudo isso ainda? – Diz meio assustado e impressionado. Agora que eu não quero saber de nada mesmo. Eu não tô conseguindo entender isso, e você acha que eu vou conseguir entender o resto? Não mesmo.

Igor: Vai, só mais um pouco. Tenta se esforçar pelo menos – diz, com um tom suave na voz, para ver se consegue tirar uma resposta positiva da boca de Marco.

Marco: Não vem falar comigo de esforço, tá legal? – responde irritado, levantando-se  rapidamente da mesa e sentando no sofá. Se lembra da última prova? Eu passei uma semana inteira estudando pra ela. Eu não sabia nada e fiz questão de estudar uma semana inteira só para ir bem. Estudei, fiz resumo, fiz mapas, fiz textos, fiz de tudo que você possa imaginar, sabia de tudo, estava com o assunto na ponta da língua e adivinha o que aconteceu? Vai, adivinha!

Igor: Sei lá… deu branco? Ficou nervoso e esqueceu de tudo?

Marco: Sim, eu esqueci. Eu estava fazendo a prova bem de boa, sem pressa, até porque eu sabia de tudo, então não tinha problema. Pelo menos eu achava que não tinha problema. Quando fui ver faltava meia hora pra acabar a prova e eu ainda estava na metade! Minhas mãos começaram a suar, eu fiquei nervoso, comecei a me apressar, mas era difícil porque as questões eram muito extensas e tinha umas que tinha que pensar muito e outras que eram discursivas e eu já não tinha tanto tempo pra tentar pensar bem nas questões. Já não estava conseguindo raciocinar. Quando fui ver eu já não lembrava de mais nada! Eu comecei a ficar inquieto, a prova acabava em dez minutos e ainda faltava muito… Eu entrei em pânico… Olhava para o  relógio, olhava para o papel e nada de lembrar as respostas! Eu não queria chutar também porque tudo que eu tinha feito até ali estava certo. Então… parece que tudo escureceu e quando me dei conta a professora estava do lado da minha mesa pedindo a minha prova e tinha várias questões em branco. Tentei pegar a prova de volta falando que ainda faltava passar algumas questões a limpo e ela não deixou – Marco faz uma pausa rápida, recupera o fôlego, e volta a falar – No fim, deixei várias questões em branco e eu tirei abaixo da média. Quando cheguei em casa meu pai me deu uma bronca e eu fiquei de castigo até esses dias. Não podia fazer nada, assim que chegava em casa tinha que ir pro meu quarto estudar, e se não era estudar era só ir para o quarto e como não tinha nada para fazer lá eu ficava pensando nas coisas da vida e eu detesto quando eu faço isso – Termina de falar com um tom levemente melancólico, porém mais calmo. 

Igor: Por que você não gosta de pensar? – diz, sem nenhuma ideia de qual poderia ser a resposta, mas mesmo assim fazendo um esforço para entender.

Marco: Porque eu não gosto de sofrer, afinal quem gosta de relembrar o que já se passou?

Igor:  Olha, eu sei que não foi fácil pra você -fala, enquanto um ar de compreensão recai sobre seu olhar- mas não foi o fim do mundo. Você não pode simplesmente desistir agora porque lá atrás você não foi bem. Não quer dizer que só porque aconteceu uma vez vá acontecer de novo -acrescenta, colocando a mão no ombro de Marco.

Marco: Tirando a mão de Igor do seu ombro e se levantando do sofá rapidamente, olha para o amigo e diz – Não foi o fim do mundo? Não foi o fim do mundo? Sério que você me vem com uma dessas?- pergunta, enfurecido – Não era você quem estava passando por isso, e não era você quem estava lá em casa depois disso também. E como você pode me garantir que não vá acontecer de novo? Hein? Você não pode sair afirmando coisas que você não pode ter certeza, que merda cara! – Fica mais nervoso e sua mão começa a tremer. Vira de costas e continua – E se acontecer? O que eu faço? Eu não quero ter que passar por tudo aquilo de novo, eu não quero. Você não sabe como essa sensação é horrível… meu pai vai brigar comigo… é horrível… é horrível… É HORRÍVEL… lá em casa vai ser um inferno de novo… na escola vou ser motivo de piada… – Diz, enquanto as emoções dentro de si vão se mesclando, o que o deixa meio choroso.

Igor: Percebendo que Marco está ficando alterado, diz para tentar tranquilizá-lo – Ei. Ei, relaxa. Não aconteceu nada ainda – Se levanta, anda até Marco, puxa seu ombro para virá-lo e fala – A única coisa que você tem que pensar é no agora, vamos tomar uma água, dar uma acalmada nos ânimos e aí voltamos que tal?  

Então, ao virar o Marco, se assusta. Percebe que seu amigo está olhando para o nada, é como se a mente dele não estivesse mais naquele corpo naquele momento, mesmo que ele esteja murmurando alguma coisa bem baixinho, palavras como “Eu não posso”, “Eu não consigo”, entre outras.

Igor: Que que tá acontecendo? -diz bem baixinho como se estivesse falando sozinho. Marco? Marco? Acorda – Passa a mão rapidamente na frente do rosto de Marco para ver se ele volta, mas não acontece nada – Marco? O que que tá acontecendo com você? – Coloca as duas mão nos ombros do amigo e o chacoalha – Por favor amigo, REAGE!

VOCÊ NÃO PODE.                                                            VOCÊ NÃO CONSEGUE.

                                VOCÊ É INCAPAZ.

   VOCÊ NÃO VAI CONSEGUIR DE NOVO.   VOCÊ É INSUFICIENTE.

VOCÊ JÁ NEM SABE MAIS QUEM VOCÊ É.

   SEU PAI NÃO GOSTA DE VOCÊ.

Marco: Escuridão… é tudo que eu vejo ao meu redor… será que estou de olhos abertos?

VOCÊ É UMA VERGONHA PARA SUA FAMÍLIA.

DESISTE.                                                              NINGUÉM GOSTA DE VOCÊ.     

NÃO TENTE MAIS.  

SABE O QUE SEU PAI ACHA DE VOCÊ?

   VERGONHA.

DERROTADO.

PERDEDOR. 

SUMA!
SUMA!
SUMA!
SUMA!

Marco: Sinto a mão de Igor me tocando mas sou incapaz de responder, sou incapaz de te ver, na verdade acho que a essa altura eu já seja incapaz de tudo… SUMA!
SUMA!
Marco: Incapacidade… vergonha… insuficiência… é tudo que eu consigo ver com os olhos da minha mente… SUMA!
SUMA!
Marco: Me sinto preso… preso em minha própria cabeça… não queria que fosse assim… mas não consigo mudar isso… esse sentimento… SUMA!
Marco: Remexo no fundo de minha alma e tudo que encontro é uma sombra… uma sombra do que parece ser um garoto. Um garoto assustado, com medo do mundo, com medo da vida, com medo de tudo… o que vem depois disso? SUMA!
Marco: Minha mente, minha prisão, amarrado no passado sempre correndo pro futuro com vontade de chorar no presente. SUMA!
SUMA!
Marco: Desesperado. Amarrado pelas correntes da minha consciência. Amargurado, revoltado, ansioso para abrir uma janela em minha alma e ver um pequeno lampejo lá dentro, mas sem abrir uma porta, porque a única coisa que tranca essa porta são meus medos…
SUMA!
SUMA!
Marco: Meu medo de ser julgado, medo de ser eu mesmo, medo de falhar com o mundo, mas não aguento mais ser o mesmo. Não quero que seja assim… PARE!
    HÁ ESPERANÇA!
NÃO DESISTA AGORA!
    VOCÊ ESTÁ INDO BEM!

          NÃO CAIA NESSES JOGUINHOS!

VAMOS LÁ!

VOCÊ CONSEGUE!

Marco: Coadjuvante da minha própria peça, coprodutor do meu próprio filme… NÃO!… Não pode ser esse o meu fim… nem começou ainda… não quero que termine assim… simplesmente não posso mais… eu preciso daquela luz… 

Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda. 
Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda.
Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda.
Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda. Marco: Por favor, ajuda.


FÉ!
??????: Remexo no fundo de sua alma e só vejo luz… Uma luz irradiada por um garoto! Um garoto destemido, determinado, sonhador, alegre, que sente amor pela vida… o que vem além disso? Um garoto decente! O suficiente, não para os outros mas para si mesmo. Garoto, levante a cabeça!
  FÉ!
        FÉ!

??????: Sua mente? Um pintor!
Suas mãos? Um Pincel!   FÉ!
A vida? Um quadro!               FÉ!          

O passado? Um quadro vendido! FÉ!
O futuro? Um quadro a ser constantemente pintado!
        FÉ!
??????: Livre, sua consciência é um pássaro. Doce, apaixonado, ansioso por escancarar a porta da alma e ver esse show de luzes que eu chamo de mundo!                              FÉ!
                          FÉ!
??????: Sem medo de ser julgado. Sem medo de ser você mesmo! Sem medo de falhar. Sem medo de se aventurar. Sem medo de inovar. Sem medo de SE inovar! Ansioso… para nunca ser o mesmo!   FÉ!
        FÉ!

??????: Um vencedor! Diretor, da sua própria vida….SIM!… e ainda não é o fim… e está só no começo!

Marco: …Eu preciso daquela luz…

Igor: Marco! Marco! Acorda!

Marco: Quem é Davi? – diz, abrindo o olho ainda meio grogue. 

Igor se alegra, abraça o amigo e diz: 

Ah Marco que bom que você acordou, já tava ficando preocupado haha, tô há meia hora tentando te acordar pra você se arrumar porque a gente tem que ir para a escola mas você até parecia que tinha desmaiado! Sorte sua que eu sempre acordo mais cedo e que a gente ainda tem um tempinho, é melhor a gente não se atrasar porque hoje temos prova.

Marco: Pera ai, só me diz uma coisa – Marco está claramente confuso.

Igor: Claro mano, manda aí.

Marco: O que aconteceu ontem depois que a gente terminou de estudar?

Igor: Ahhh, então. Terminou naquelas né, você ficou muito frustrado porque não tava entendendo o assunto, então se jogou no sofá e dormiu e só foi acordar hoje, por isso achei que você tinha desmaiado ou que tinha dado alguma coisa.

Marco: Sério isso? – Dizendo claramente desconcertado.

Igor: Seríssimo.

Marco: Então eu não surtei nem nada do tipo?

Igor: Não, porque surtaria? Tinha nem motivos pra isso.

Marco: Que estranho… Mas tudo bem – e começa a se vestir para ir para a escola.

Eis que de repente o celular de Igor vibra e quando ele confere o celular, abre um sorriso de um canto até o outro da boca.

Igor: Cancelaram as aulas hoje!

Marco: Nem ferrando – diz rindo e aliviado. De súbito fala baixinho consigo mesmo – que loucura…