Muitas vezes nos aconselham a esquecer o passado, aquela velha máxima “O que é passado fica no passado”, até porque se está feito está feito e não tem como voltar a trás. Tem aquela frase do mestre tartaruga do Kung Fu Panda I que ele diz “ O passado é história, o futuro é mistério, o agora é uma dádiva e por isso se chama presente. “ e eu concordo plenamente, o passado é história, ponto final, fim de papo! O foda é quando ele não concorda comigo, já discutimos algumas vezes por causa disso mas no final ele sempre ganhava ( suas argumentações eram sempre melhores ). Então o que eu fiz? Deixei ele num museu, ele achou uma visita interessante e quando foi perceber eu tinha sumido. Funcionou por um tempo, até ele me encontrar de novo e a partir dai quase não tenho mais sossego, ele fica que nem um velho rabugento no pé do meu ouvido, contando histórias que eu não quero ouvir e reclamando, direto, sem parar, não sei da onde ele tira tanto folego. O pior é que ele aparenta gostar muito de mim, e parece que para o meu azar eu sou sempre os protagonistas de todas as histórias, nem sabia que eu podia servir de inspiração para as histórias de alguém, ou melhor, algo. Estava tranquilo fazendo tarefa da escola e quando eu menos espero… lá vem ele! E não para mais: “Se lembra daquele dia que você fez…”, “E naquele dia lá que você e seus amigos… hahaha”, “E naquele dia que você pediu… bom, essa eu faço questão de te contar” . SIM, SIM EU LEMBRO, VOCÊ FAZ QUESTÃO DE ME LEMBRAR. Chato, chato, insuportável. Você pode estar achando que eu sou muito duro com ele, tudo bem, você até pode estar certo, mas eu tenho meus porquês. Ele faz questão de me contar histórias que eu não quero ouvir, fala de coisas horríveis que eu fiz, momentos vergonhosos que passei, frustrações que já vivi, decepções, etc, etc… Já tentei entrar em acordo com ele mas eles não aceitou meus termos, aparentemente nenhum é bom o suficiente para ele. Então descobri um jeito de evitar ele, dormir, nesse momento não tinha como ele vir falar comigo. Infelizmente não é um método muito efetivo, assim que eu acordava ele já voltava a tagarelar. Então, no fim, de qualquer forma ele volta a falar comigo, ele é inevitável! (E olha que não é o Thanos). Não tem como evitar… evitar… evitar? é, foi tudo que eu tenho tentado fazer com ele, nem aturar eu tentei. Então eu decidi fazer isso, aturar! Decidi mudar de estratégia. Passei a atura-lo, mesmo não gostando da presença dele, eu suportava. Sabe quando aquela pessoa que você não tem afinidade vem falar com você e tudo que tu pode fazer é ficar ali e responder o que ela fala? A teoria era essa, mas na prática eu não falava nada, só ouvia, o que já é um grande passo para ele já que nem isso eu fazia questão de fazer, tentava evitar ao máximo! Ele chegava perto e eu já ficava com os nervos a flor da pele e já chegava dando pontapé nele, expulsando ele, xingando, mandando embora… Mas parece que algo mudou, parece que tudo que ele queria desde o começo era ser ouvido, só ouvir já era o suficiente para ele, então ele me contava algumas histórias e ia embora. Era tão fácil assim? Tudo que eu tinha que fazer era ouvir? Porque não pensei nisso desde o começo? Isso tornou a dinâmica mais fácil, ele vinha, contava as histórias e ia embora. Bem menos cansativo assim… no começo. O negócio é que antes ele já vinha e ficava me enchendo o saco o dia todo, então eu já ficava direto irritado com ele. Agora não. Agora eu estou lá tranquilo, vendo filmes, pensando em nada em especifico, só relaxando, tentando pelo menos, parece que constantemente vivo sem paz, e então, só para completar a paz acaba mesmo! Por que? Porque ele aparece do nada e começa com as histórias. Me estressei, quis meter o pontapé nele, mas não, dessa vez fiz diferente: 

-O que você quer comigo?- eu perguntei. 

A resposta dele foi bem simples: 

-Eu quero que você escute, não que você me ouça!

-Mas qual a diferença?- respondi claramente confuso. Então ele falou:

-A diferença é que um entra por um ouvido e sai pelo outro, e o outro não.

Realmente tem sentido o que ele me disse, sempre ouvi mas nunca prestei atenção no que ele me falava.

-O tempo todo era só isso? Nada mais? Sério mesmo?

-Garoto, eu sou atemporal, essa frase não faz sentido para mim.

-Nada de piadas agora. -Falei claramente enfezado.

-Falta de humor característica sua.

-Aparentemente você sabe muito sobre mim não é? Já que você está o tempo todo falando de mim, ah verdade, você é atemporal.

-Sarcasmo bem fraquinho, bem característico também!

-Mas que porra! O que que você quer? – Respondi quase explodindo

-Garoto, eu só quero que você me escute, sou um contador de história e como um contador de história só quero que me escutem.

-Já parou para pensar que eu evito escutar porque não gosto delas? – Disse claramente com a intenção de alfineta-lo.

-Tens todo o direito de não gostar, até porque quem escreve é você

-Como assim eu escrevo? Eu não faço isso não. Você deve estar ficando maluco.

-Desculpa, sou incapaz de ser, sentir ou ficar qualquer coisa ao menos que esteja em uma de suas histórias.

-MAS EU NÃO ESCREVI NADA! – gritei quase disparando uma cadeira em sua direção.

-Você escreve o tempo inteiro, só não percebe. É inconsciente. Eu só trago beleza a elas.

-Primeiro, eu não escrevo nada em momento algum. Segundo, que beleza você pode ter histórias tristes? Histórias vergonhosas? Histórias deprimentes? Histórias irritantes? Só se forem histórias de terror! E eu detesto história de terror.

-Primeiro, claro que escreve! Mas isso é muito para sua cabeça humana compreender. Segundo, todas histórias tem sua beleza nem que ela esteja bem nas entre linhas, mas ela esta lá, explicita nas entre linhas! E cada história é mais incrível que a outra, eu me amarro contar elas.

-Arrah! Parece que você não é tão incapaz assim não é mesmo? Você acabou de dizer que se amarra nas minhas histórias.- Falei com um ar de vitória.

-Eu só disse o que você me transmitiu, porque é o que você sentia no exato momento que eu estava falando sobre isso. Você estava se amarrando, achou muito incrível essa ideia de história mas não quer dar o braço a torcer e você querendo ou não eu sei disso.

-Você pode até ter razão, mas porque eu só achei incrível essa ideia e não as outras milhares que já tive?, ou tivemos sei lá.

-Tive e Tivemos. Eu e você somos um só, mas também não somos. Porque só agora que você experimentou SE deixar senti-las dessa maneira, todas as outras você fez questão de dar um toque de algum sentimento negativo e como um contador de histórias perfeito eu trago esses sentimentos em sua forma mais pura para trazer a beleza a história.

-Como você pode achar isso perfeito se eu não acho? Eu acho bem deprimente sinceramente, você só piora tudo! Faz questão de me fazer lembra-las da pior forma possível.

-A perfeição está acima de mim ou de você. Não importa o que você acha perfeito. Achando ou não, o que é perfeito vai continuar sendo perfeito mesmo depois da sua morte, logo, o que é realmente perfeito esta fora de seu alcance decidir. Eu não pioro nada, quem faz isso é você e você esta fazendo de novo. Para um pouco e tenta mudar os sentimentos das histórias. Você é capaz disso, e se eu acho isso é porque você acha também, uma história pode ser mutável, uma história pode ter vários pontos de vista, um completa o outro e você mesmo é capaz de trazer esses outros pontos de vista, e ai é que mora a beleza! A unidade na multiplicidade!

Essas palavras foram como um estralar na minha cabeça. Nunca pensei dessa forma, unidade na multiplicidade? Como que eu posso trazer a felicidade quando estou triste? Se eu estou triste não tem como eu estar feliz e ainda mais que ele esta dizendo que eu sou capaz disso, porque eu acho isso, mas eu acho que quando eu estou triste é porque alguém me deixou e isto está fora do meu controle.

-Desculpe interromper seu pensamento, mas eu ouvi tudo. Concordo com você quando diz que não é possível ser feliz e triste ao mesmo tempo, bem, quase sempre. Mas como estas histórias estão no passado, quem passa a ter o total controle como você se sente é você. No fim, você sempre tem. Na verdade a única pessoal responsável pela interpretação da sua história é você, as pessoas podem ter participações negativas ou positivas mas a interpretação disso é totalmente responsabilidade sua, você interpreta e resignifica como quiser, você pode levar o SEU tempo que quiser para fazer isso, mais anos… menos anos… leve todo o SEU tempo mas se lembre que ele é limitado e como você usa só cabe a você decidir, e a mim, só me cabe contar as suas histórias.

Depois de me dizer isso, ele sumiu. Então será que finalmente entendi o que ele quis me dizer com escutar? Esse tempo todo ele queria me mostrar essa beleza que eu não via? Aparentemente sim, porque nunca mais o vi, mas depois daquele dia nunca mais fui o mesmo. Não digo de forma negativa, na verdade, estou muito melhor do que antes, é… talvez eu realmente tenha entendido.  Mas agora parando para lembrar, não consigo me recordar de nenhum encontro que tive com ele, estranho porque ele sempre estava presente. Espera ai, ele sempre esteve presente, sim, por isso que não consigo me lembrar dele, pois ele sempre está presente. O passado e o presente caminham juntos, um completando o outro, e um melhorando o outro. Um não pode ser um sem o outro, e no meio disto tudo, está a beleza que ele falou! Puxa eu realmente entendi! No final… é realmente belo. E agora conscientemente eu encerro este capítulo da minha continua história chamada VIDA, porque ele já esta ficando longo de mais e,

FIM