Acordo com uma perfuração fazendo alarde bem fundo no meu crânio e sei — só sei por saber, porque é assim que gente é — que estão à procura de coisa cara sem ao menos pedir. A enxaqueca que me estapeia é mínima, um comprimido que se arrasta pela minha garganta queimando sem água, porque chorei tudo que tinha em mim e sequei a fonte infinita em mim. Já basta para diminuir o estalo da plataforma como cólica de bebê. O que tem de fora é poluição, respiro carbono que eu mesma produzo e, como se não bastasse, agora me vem essa empreiteira arrancar meu osso e furar meu cérebro atrás de elixir.

Com a dor eu caminho porque ela é minha única companhia fiel nesse mundo macabro de gente simplória, mas nunca de uma única cara; eu me assusto com o espelho. Não sou de gêmeos, mas uso uma máscara que me deixa tão longe das outras pessoas que ou não sou mais mulher e sou próprio Deus, ou deixo de ser gente e viro a árvore queimada no meio da floresta. Sou eu, só eu, e sou um estouro constante. Martelos soam no fundo da minha cabeça e estalam na construção de um barril mais caro — pelo menos não está vazia, não é o diabo que lá opera. Por muitos anos esse me pagou aluguel mais corretamente que os novos.

E quando pessoas me abraçam, meus ossos estalam porque não sei o que é ser só humana. Fazem anos, perdi a habilidade. Sou eu, máquina do mundo, massa de quem sabe modelar — porque eu não sei, nunca soube. Gosto de opinar, mas não me deixaram pôr a mão no poder porque eu era mulher mesquinha de cabelos volumosos e olhos cortantes, que podia roubar mais que a posição, podia roubar o holofote. A sociedade escuta pessoas mais bonitas e já me disseram que inteligência é beleza, por isso me querem longe da administração. Gente com medo de levar rasteira é aquela que afunda rindo, mal pega no cipó, porque só sabe que está ruim quando a boca sente o gosto.

Me sento muito maquinalmente no cubículo do escritório que é meu, me deram. É emprestado porque pago impostos, mas meu nome lá está em uma plaquinha de plástico com canetinha escolar, bem estampado como se eu fosse dona; meu lugar de receber ordens e berros e servir para algo. Com a enxaqueca piorando, ligo o computador e recomeço minha rotina como o sistema operacional de lá — mas, pelo menos, a petrolífera extraiu um bom barril de petróleo e quem tem mérito sou eu. Recebo aplausos; meu ego se contenta e eu volto para a monotonia porque o show não para; se eu parar, perco o emprego, viro máquina sem óleo e sou atirada no desterro.

Desligo o computador agora e escondo o diário porque não deveria eu pensar. Indo agora, adeus! Leve com você esse cartão de visitas da empresa que eu trabalho porque, se chegou até aqui, é bom para um cargo. Tchau!