Carolina Maria de Jesus foi uma autora improvável: negra, catadora de papel e favelada, filha de pais analfabetos. Nasceu em 14 de março de 1914 em Sacramento, Minas Gerais, em uma comunidade rural.
Foi maltratada durante a infância, embora sempre empenhada, aos sete anos frequentou a escola e, conforme o tempo, aprendeu a ler e escrever, desenvolvendo o gosto pela leitura.
Em 1937, após a morte da mãe, ela mudou para São Paulo. Aos 33 anos, desempregada e grávida, mudou-se para a favela do Canindé, na zona norte da capital paulista.
Trabalhava como catadora de papel e, nas horas vagas, registrava o cotidiano da favela em cadernos que encontrava no material que recolhia. Um destes seus “diários”, deu origem ao seu mais reconhecido livro: Quarto de Despejo”, onde ela contava um pouco do cotidiano na favela onde morava.
Quarto de Despejo – Diário de uma favelada
O livro reproduz o diário de Carolina de Jesus, em que ela narra o seu dia a dia nas comunidades pobres da cidade de São Paulo. E descreve as vivências da autora no período de 1955 a 1960.
Em seu relato, ela descreve a dor, o sofrimento, a fome e as angústias dos favelados e mudanças pelas quais passavam as favelas neste momento. Seu texto é considerado um dos marcos da escrita feminina no Brasil.
Dessa forma, Carolina de Jesus utiliza uma linguagem informal, ou seja, com sua própria caligrafia e sem correções técnicas, retratando com mais franqueza a sua realidade e conhecimento próprio.
Com uma tiragem inicial de dez mil exemplares que se esgotou em apenas uma semana, já foi traduzido para mais de treze idiomas desde o seu lançamento.
Um pouco mais sobre uma mulher extraordinária
Ainda adolescente, era repreendida pelo curiosidade excessiva e rejeitada por não se enquadrar nos padrões destinados erroneamente às mulheres negras da época: o lugar dos bastidores, sem privilégios e sem protagonismo.
Carolina Maria desejava ir além, queria usar a literatura para fugir daquela realidade desumana e tomar as rédeas de sua vida para si. Ela nunca quis se casar para não ter que ser submissa aos homens. Teve diversos relacionamentos afetivos ao longo da vida, e foi pedida em casamento por alguns namorados, mas nunca aceitou.
Seus três filhos não foram planejados, e foram frutos de relacionamentos diferentes. Carolina registrou e criou seus filhos sozinha. Para sustentá-los, além de escrever e vender livros, fazia coleta de materiais recicláveis, realizava faxinas, lavava roupas para fora e dava aulas em casa, de alfabetização.
Mulher, negra, visível e grandiosa: “Se é que existe reencarnação, eu quero voltar sempre preta!”
Em um contexto racista no qual nascer mulher e negra te faz duas vezes mais forte, construir as páginas e a vida com orgulho da sua cor, de seu corpo, da textura do cabelo e valorizando sua própria produção intelectual, reconhecendo-a como algo valoroso e rico, era um ato rebelde de Carolina.
E isso se estende como ferramenta de mobilização e empoderamento até os dias de hoje.
Sendo poetisa, autora de uma produção forte e uma sensibilidade literária grandiosa, deve ser reconhecida tanto quanto o dos autores cobrados em listas de vestibulares ou lidos e incentivados em sala de aula.
Uma das formas mais potentes de incentivar a resistência e sobrevivência de um grupo marginalizado é a representatividade. “O Brasil precisa ser dirigido por alguém que já passou fome” disse Carolina.
Se enxergar em canais, sejam eles de menor ou maior circulação, faz com que as pessoas se sintam parte efetiva de um todo, se reconheçam pertencentes a um contexto.