II

Hoje é o meu primeiro dia de aula na minha nova escola, a Seu Albuquerque. Mamãe me trocou de escola porque na outra as crianças ficavam falando muito do meu jeito, achavam engraçado eu ter uma voz fina, diziam que era afeminada, mas não sei porque isso seria um problema, e também me chamavam de Barbie porque meu cabelo era, e ainda é, muito longo e liso, o que deixou a mamãe irritada quando em um dia de pais e filhos na escola ela viu as crianças agindo assim, eu não vi problema nenhum porque eu adoro as bonecas barbie. Foi na diretoria reclamar com o diretor que tipo de ensino estava sendo dado naquela escola para as crianças serem tão imbecis, foi ela que disse isso, e decidiu me colocar na Seu Albuquerque. Ela é um pouco mais longe mas a mamãe prometeu que é melhor que a outra. Só vou sentir saudades do Davi, ele era o meu melhor amigo, a gente sempre andava juntos porque ele era sempre uma boa companhia, me adorava e eu adorava ele, sempre me fazia rir e eu nunca me sentia preocupado perto dele, ele me trazia uma paz que eu nunca senti com outra pessoa antes, sempre sentia que tudo ia estar certo com ele por perto, e estavam! Porque se algum garoto me chamava de Barbie ele dizia que ia meter a porrada neles.

-Você está bem?

-Porque eu não estaria?

-Porque esses moleques tão te enchendo o saco, toda hora ficam falando merda, você tem que aprender a revidar.

-Tá tudo bem 

Descendente de família italiana, tinha um sobrenome bem legal que me lembrava a palavra queijo, era loiro de olhos azuis, amarelo quase dourado, azul tão claro quanto um céu limpo. Era melhor amigo de todas as garotas, sem exceção, conversava com todas e sempre estava rodeado por elas, não que isso fosse um problema mas eu não sabia como conversar com elas, por isso eu não falava e isso era chato porque eu não podia conversar com o Davi quando elas estavam por perto, e isso não era legal porque eu gostava de conversar com ele mas fazer o que, mamãe me ensinou a não ser egoísta e sempre dividir, e era isso o que eu fazia mesmo que isso quisesse dizer mais papo sobre garotos do que papo entre eu e ele.

Quando eu disse pra ele que eu mudaria de escola ele ficou bem triste, levou um tempo até ele conseguir reagir, depois que caiu a ficha ele chorou muito, o que na verdade era bem fácil de acontecer quando ele não tava tentando se fingir de forte na frente das pessoas.

-Por que?

-Porque a mamãe  achou que seria melhor assim, já que ela acha que os garotos da nossa sala são muito maus comigo.

-Mas eu tô aqui pra te proteger…

-Eu sei

-Eu sempre te protegi…

-Eu sei

-Por favor não vá embora.

-Eu tenho que ir

-Quem vai encher o meu saco quando eu não quiser fazer atividade? E quem vai rir das minhas piadas sem graça?

-Suas amigas, vai ficar bem

-Eu sei que eu vou, mas eu não quero ficar bem, eu quero ficar com você.

-Eu vou sentir saudades

-Eu também.

Hoje é meu o primeiro dia de aula na minha nova escola, a Seu Albuquerque. Coloquei a Mrs. Scarllet e a Marina na minha mochila, era meu costume levar minhas barbies no primeiro dia de aula, sempre sentia um medo e um frio na barriga no primeiro dia e por isso eu levava elas, para saber que está tudo bem e que elas estavam ali caso eu precisasse da companhia de alguém. 

-Bom primeiro dia de aula filhão, vai dar tudo certo, eu te amo filho.

-Eu também te amo papai

-Sua mãe vai te buscar depois, agora vai lá e arrasa garotão!

-Sim

O papai que me levou para a escola porque agora é caminho para o trabalho dele. Quando ele fechou a porta do carro, deu meia volta e foi embora eu sabia que agora não tinha mais jeito, eu teria que ir de qualquer forma. “Fiquem quietinhas aí na mochila tá bom meninas? Talvez eu precise de vocês no recreio, não acho que eu vou fazer algum amigo até lá”, “Tá bom, estaremos torcendo por você queridinho” respondi como se fosse a Marina falando. Entrei na escola, era bem grande, tinha um teto que se abria e bem no meio da construção tinha um jardim, era bem bonita, tem três andares um para cada nível de educação, prézinho, ensino fundamental, ensino médio. Eu já estava no quinto ano, por isso minha sala era no segundo andar. Fui andando em direção a sala e meu coração começou a bater mais forte, estava ansioso, não fazia ideia do que esperar por isso era uma ansiedade um pouco boa e um pouco ruim. Assim que eu cheguei na sala eu olhei para dentro e vi um tanto de criança sentadas e um tanto de crianças fazendo bagunça pela sala, já estava acostumado com isso, minha antiga turma era igual, fiquei mais tranquilo, eu e o Davi éramos da turma da bagunça, na verdade ele era, eu só ficava acompanhando. “Vai dar tudo certo”, pensei comigo mesmo sentando num canto no fundo da sala.

-Você é a aluna nova que falaram?

-Não, eu sou um garoto, provavelmente você achou por causa do cabelo

-Não, é por causa das barbies na mochila. Posso ver?

-Pode, elas são as minhas amigas, Mrs Scarlett e Marina, as duas brigam muito mas se amam. A Marina é modelo e a Mrs Scarlett tem um namoradinho e gosta de festinha, eles até já fizeram sexo

-A partir de agora elas são minhas amigas também, prazer me chamo Gabriela.

-Prazer me cham…

Não consegui terminar de falar porque a professora entrou na sala e pediu silêncio. Ela queria que cada um dos alunos se apresentasse e falasse um pouquinho sobre si mesmo. Gabriela foi a primeira, aparentemente ela é daquelas pessoas super sociáveis que gostam de falar o tempo inteiro e não perdem nenhuma oportunidade para fazer isso.

-Oi gente, me chamo Gabriela mas podem me chamar de Gab, tenho 11 anos, sou daqui mesmo e quero ser bailarina quando crescer.

O segundo foi um tal de Gabriel, não porque ele quis mas porque a professora mandou.

-Me chamo Gabriel…ann… e gosto de futebol… sei lá… não sei o que falar – disse rindo olhando para o seus amigos

-Fala sua idade e o que você quer ser no futuro. Disse a Gabriela

-Tenho 10 anos e quero ser jogador de futebol.

E assim a professora foi fazendo, foi escolhendo um por um. Memorizei o nome de alguns alunos, tenho memória boa e isso é bom porque se eles vierem falar comigo depois eu já sei o nome de alguns como o Gabriel, a Gabriela, o Carlos, a Amanda, o Vinicius, o Jonathan, o Pedro, a Camila, a Letícia, o Marcelo, a Julia, o outro Pedro, o Mateus, o Matheus, o Guilherme D. e o seu irmão Guilherme G. Chegou a minha vez, ela apontou o dedo em minha direção e todo mundo olhou para mim.

-Sua vez, como você se chama?

-Me chamo… – Não consegui terminar de falar porque tinha uns garotos olhando pra mim e rindo, o Gabriel era um deles, pelo menos ele estava tentando disfarçar.

-SILÊNCIO! Pode continuar.

-Tenho 10 anos, sou daqui mesmo e quero ter um salão de beleza quando eu crescer.

Ai sim que os garotos se dobraram de tanto rir, não consegui entender a graça, para mim não tinha graça nenhuma, fiquei tentando entender o que tinha de tão engraçado em mim ou no que eu falei para os meninos ficarem rindo tanto. As garotas assim como eu não tinham achado graça, elas acharam bem legal na verdade, por causa disso, acabei finalmente fazendo amizade com algumas meninas um tempo depois.

– Gente, parem de rir do colega, se é isso que ele quer fazer no futuro respeitem, isso não é engraçado. Agora abram na primeira página do livro de matemática, vamos rever o que vocês aprenderam no quinto ano.

Acabou o primeiro período, foi tudo bem, tivemos duas aulas de matemática e uma de geografia depois e durante as aulas de matemática eu sentei com a Gabriela, foi bem divertido porque ela não conseguia entender o conteúdo e ficava estressada e eu ria bastante, mas mesmo assim ajudava ela porque eu sou muito bom em matemática. Gostei dela.
Passamos o recreio juntos também, foi bem legal, não esperava mesmo fazer algum amigo no primeiro dia de aula, mas fiz!!! Descobri que ela também gostava bastante de ler e assim como eu, de escrever também. Sentamos debaixo de uma grande árvore que tinha no meio do jardim que ficava dentro da escola, era bem bonito, tinha um formato quadrado com um grande Pau-Brasil no meio do jardim, também tinha quatro caminhos para chegar até essa árvore e entre esses caminhos tinha canteiros de rosas, bem bonito mesmo.

-Gab, o que você gosta de ler?

-Todos os livros que não tenham palavras muito difíceis para eu entender, esses eu nem chego perto. Meu pai tem uma coleção de livros do Shakespeare e vários livros do Maquiavel, esses eu nem toco, só de ler a primeira página minha cabeça já dói, não leio nem que a vaca tussa.

-Tá, mas qual é o seu livro favorito?

-Eu amo a trilogia do Guia do Mochileiro das Galáxias, amo de paixão mesmo, já li várias vezes.

-Sério? Mas esses livros são tão difíceis quanto Shakespeare, pelo menos tinha muitas palavras que eu não entendia

-Seríssimo, eles até podem ser difíceis, mas é porque tem muitas coisas inventadas e palavras também e é isso que eu acho mais incrível nesses livros, me fazem viajar pelo universo inteiro e nas milhões de possibilidades que existem só lendo coisas inventadas!! Quanta coisa eu posso criar na minha mente e me divertir com isso?! Várias garoto, várias. Amo imaginar coisas porque é dessa forma que eu vou viajando dentro da minha mente e me encontro comigo mesma.

-Você é incrível

-Sou mesmo.

-Ai! tu que é o muleque novo?

Olhei para trás e vi o Vinicius olhando para mim e seus amigos atrás como se fossem um bando de cachorrinhos, só esperando o líder da matilha dar qualquer comando para eles fazerem, porque se não ficam perdidos sem saber o que fazer.

-Sou eu sim, porque?

-É tu que senta lá na penúltima carteira da última fileira, a que tem uma mochila com duas barbies?

-Sou eu sim, porque?

Os meninos se olharam como se a minha afirmação tivesse feito o dia deles ficar muito melhor.

-Ah! Agora faz sentido. – disse o Vinicius segurando uma risada.

-O que faz sentido?

-Você ser assim. – disse o Gabriel, se apoiando nos ombros do Viniciu para não cair de tanto rir.

-Assim como?

-Viadinho! – falou outro garoto lá atrás da matilha.

-Meu deus cara vocês são muito babaca, deixa o guri em paz antes que de merda pra gente. – falou um outro que parecia ser o mais sensato do grupo.

-Mas a gente não tá fazendo nada com ele! A culpa não é nossa que ele é gay – respondeu Vinicius.

-Eu não sou gay, e se eu fosse, qual o problema?

-Que você gosta de homem, bixinha. – falou Vinícius rindo muito

-Claro que gosta! Olha seu cabelo, olha o que tu quer ser quando crescer, tu trouxe boneca pra escola, bonecas!!!

-Moleque, para de ser chato, uma coisa não tem a ver com a outra, e também, qual o problema de gostar de homem? – disse a Gabriela, ficando estressada.

-Gostar de homem e ser homem! – respondeu Gabriel como se essa resposta fosse muito lógica.

Ouvindo isso a Gabriela se levantou e andando na direção do Vinicius e do seu grupinho ela disse:

-Escuta aqui! É melhor que você pare de incomodar meu amigo com suas piadinhas ofensivas, antes que eu te bata! – terminou de falar quando tava parada na frente do Vinicius

-Ui, ui que med…

*pah*

-Se continuar falando vai levar outro – disse Gabriela abaixando a mão que usou para bater no Vinicius.

-Vamos embora, Vini. – disse Gabriel segurando o ombro do Vinicius, que começou a chorar, virando ele para irem para a sala.

Assim que a discussão acabou, o sinal tocou. Me levantei e fui caminhando em direção a sala e a Gabriela ainda estava morrendo de raiva:

-Olha esses guri! Bando de idiotas.

-Tá tudo bem Gab, eles não sabem o que estão falando

-Porque você não se defendeu?

-Porque você fez isso por mim.

Hoje foi o meu primeiro dia de aula na minha nova escola, a Seu Albuquerque. Conheci uma garota bem legal, a Gab. Viramos melhores amigos, não mais que eu e o Davi, mas, mesmo assim, gostei dela.

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