Olho para trás, há muito tempo já não vejo mais a base, sinto-me exausto mesmo não tendo caminhado uma tarde, sei que é apenas o calor fazendo efeito. De farda vestida e arma na mão sigo meu caminho determinado, esta foi a última vez que olho para trás, se não vieram antes não virão agora. 
Prazer, sargento Gregory ao seu dispor! Sou do vigésimo quarto batalhão do rei Adriano da Amazônia. Data para identificação da gravação: Janeiro de 2045. Sim, o ano é 2045 e voltamos para a monarquia. As pessoas se cansaram de ter um presidente eleito que não mandava nada, deputados e senadores corruptos que se assemelhavam a imperadores, só não superavam a soberba do  Supremo Tribunal Federal que se auto proclamavam deuses, césares. Sendo assim, cá estamos, um rei, trono conquistado pela força, que ironia hein? Alguns chamam de progresso, outros de retrocesso mas de nada me importa esta discussão, se não posso mudar os fatos então prefiro nem discutir, o único tipo de discussão que eu gosto de ter é aquela que eu posso resolver na bala. Bom, não vou perder meu tempo contando isso, até porque está no livro de história e provavelmente essa será minha última gravação já que não pretendo retornar com vida do campo de batalha. 
Hoje, dia 29, dou minhas despedidas para o país, para meus amigos e para meus familiares. A todos que eu defendi, saibam que eu morri atirando até a última bala na cabeça desses filhos da p@#$ e não vai ser hoje que eles vão invadir a Amazônia não, o que é nosso é nosso e o resto do que sobrou do rio Amazonas é nosso! O que esses colombianos estão pensando? Agora que secou de vez a parte deles do Amazonas querem a nossa? Sem chance.
O calor  tá intenso hoje, chuto uns 40 graus. O processo de desertificação foi intenso por aqui a partir de 2030, minha Amazônia não é nem mais um por cento do que já foi um dia, mas ainda é bela! Bela como floresta, bela como deserto, ainda te amo minha casa e te defenderei até o fim. O que um dia foi um rio, hoje nós o consideramos um oásis, já que o que sobrou do rio está tudo restrito num enorme lago artificial aos arredores de Manaus, mas é O oásis! Já que a vida de milhares depende do resto de água que ali está. Milhares, e não só dos nossos, como eu falei antes, os colombianos também estão dependendo disso e faz mais ou menos um ano em que estamos em guerra contra a Colômbia por causa disso… mas eu não tenho dó não, quem mandou não saber racionar a água direito? O fato é que neste exato instante estou marchando sozinho em direção à fronteira da Colômbia com a nossa querida Amazônia, estou indo encontrar os que sobraram do vigésimo quinto batalhão, poucos, quase zero provavelmente já que faz mais de 6 horas que emitiram o pedido de socorro. Mas se já estão quase todos mortos, a água toda está em Manaus e eu estou sozinho, então porque eu estou indo? Porque enquanto tiver a vida de um Amazonense em jogo, eu farei tudo em meu alcance para salvá-lo, nem que eu tenha que morrer para isso, e pelo que me parece a chance disso acontecer é enorme.       
Me chamaram de louco, de doente, de suicida, mas quer saber de uma coisa? Fui o único que me dispus a fazer essa viagem toda para salvar os irmãos que sobraram e não me arrependo da minha decisão, se me arrependi de algo foi de não ter saído mais cedo.
Era responsável pela minha equipe: soldado Gustav, o Gordo, este é o apelido carinhoso que eu dei para ele. Era gordo sim, mas era musculoso, o mais musculoso da equipe, na mesma medida que se enchia de comida ele se exercitava. sempre que tinha uma missão ele levava a Bertha, sua metralhadora de estimação, ele não largava ela por nada e num combate, vish! Quem se arriscasse chegar perto dele durante uma luta, não importa de que lado estava, tomava chumbo na boca! E se não bastasse, assim que metia bala em alguém começava a rir e aquele charutão que ele sempre estava fumando dançava em sua boca. 
Soldado Magras, o contador, descendência pura de japonês era tão fascinado por números, que contava a cabeça de cada um que caia em campo, gênio da matemática e da engenharia, construiu seus próprios drones e ficava de dentro da base monitorando a situação em campo e registrando cada movimento, de ambos os lados. Assim que uma disputa de território era finalizada ele já tinha todos os dados, todas as baixas, quanto de suprimento utilizamos, quantas balas gastamos, quantos matamos, seus olhos eram um ábaco. 
Soldado Matthew, o violinista, loiro de olho azul, alto de 1,90 no auge dos seus 18 anos, corpo atlético, era o mais belo da equipe, era capaz de encantar qualquer garota, mas mesmo assim nunca o vi com nenhuma, e também nem gostava muito de comentar sobre, por que será? Violinista não só porque ele tocava violino, mas porque de alguma forma a mesma perfeição que ele usava para tocar era a mesma que usava durante um combate. Era tão ágil e tão suave seus movimentos com suas facas e executados com tanta perfeição e precisão que ele parecia estar tocando seu violino, cada movimento seu era pensado, sempre depois de uma luta ele vinha com um sorriso no rosto dizendo que estava só aquecendo para poder tocar seu violino. 
Por fim temos a cabo Berta, a amazona, amor incorrespondido de Gustav ( Daí que veio o nome de sua metralhadora), descendente de indígenas, pele bronzeada cor de mel e longos cabelos lisos mais negros que uma turmalina negra. Veio de uma família em que todas as mulheres foram militares, a partir do ano de 2026 o serviço militar também se tornou obrigatório para as mulheres, graças à luta pelos direitos iguais. E ela seguiu pelo mesmo caminho. Aparentava ser sensível, uma delicadeza quase de princesa, realmente no corpo a corpo não tem chance alguma… é o que os adversários pensam, mas seu cordão branco e azul de contramestre em capoeira diz o contrário. Sua ginga era invejável, tinha tanto malemolejo que parecia brincar com seus inimigos e se destacava no pelotão por ser muito corajosa, era a primeira a entrar na luta e a última a sair, valente que não tinha igual, por isso a amazona. Mestre no corpo a corpo ela dizia que se garantia na porrada, por isso ela ia só nas mãos, mas além disso era ágil como uma onça pintada, os inimigos que sobreviviam voltavam correndo para sua base e traumatizados diziam para os próximos soldados que estavam indo para a luta que tinha um fantasma do lado contrário e muitos dos que voltavam, não voltavam inteiros! Tinha um magnetismo pessoal fabuloso, todos queriam estar perto, mas não tão perto assim porque ela conseguia ser muito dura quando queria, mas sempre conseguia colocar os soldados para cima. 
Esta é minha equipe!
Você acha mesmo que eles chegariam em mim e me diriam que eu sou louco por estar fazendo o que estou fazendo? Me chamariam de doente? De suicida? Vocês acham mesmo que esses psicopatas fariam isso? Claro que não! Eles iriam comigo e iriam lutar com gosto, e não gosto por estar matando, mas gosto por estarem ao lado um do outro juntos na mesma batalha pelo mesmo propósito, lutar pelo que é justo! Apesar dos pesares, nossa única motivação era a justiça, feita com as nossas próprias mãos, porque se a gente não fizer quem vai fazer? 
Vi todo o reino se transformar no que é hoje e não vou permitir que piore. Mas afinal, que justiça é essa em que matamos outras pessoas para alcançá-la? É uma justiça partidária, que está do nosso lado, lutamos para manter a nossa sociedade viva, enquanto vocês vivem a vida de vocês ai na boa quem você acha que tá lá no campo de batalha? Prazer, somos nós. Mas eu não sou a porra de um filósofo pra ficar falando de justiça e falar sobre o real sentido de justiça não, sai fora. Enfim, se eles lutariam com garras e dentes, então porque não vieram comigo? É simples… estão mortos. 
Numa tarde eu tinha saído junto a outra equipe do pelotão para fazer reconhecimento de área, estávamos muito perto de território dominado pelos inimigos por isso qualquer precaução era pouca. Quando voltei para a base, nosso comandante me informou que minha equipe tinha sido convocada pelo tenente do vigésimo terceiro batalhão para trazer crianças indígenas que haviam sido sequestradas, porém, salvas pelo vigésimo terceiro batalhão, da base deles até a nossa. Como eu falei antes, qualquer precaução era pouca, e eles não tiveram o suficiente. Chegando perto do lugar indicado descobriram que era uma armadilha, a base do vigésimo terceiro batalhão inteira estava destruída, queimada, caindo aos pedaços e a única coisa que os esperava lá era a morte, caíram numa emboscada e foram fuzilados por Colombianos que estavam só esperando a chegada deles. Nem tivemos a chance de pegar os corpos deles de volta, haviam sido queimados.

          Por isso, hoje quando eu ouvi o pedido de ajuda sabia que era isso que eu tinha que fazer, não podia negar, haviam pessoas a serem salvas e com ou sem minha equipe eu tinha de ir, era o certo a se fazer, e eu fiz. Talvez eu ganhe algum tempo para o pessoal do vigésimo quarto batalhão decidir o que fazer… talvez não seja totalmente em vão. Não me arrependo disso, sei que esse meu ato será mais um ato simbólico de coragem e bravura, porque se lá já tiver sido tomado, então já sou um homem morto. Não dei para trás em momento algum e espero que este ato seja lembrado. Mas quero que saibam que além de fazer isso pelas vidas dessas pessoas fiz também pela vida dos meus companheiros que se foram, mortos na intenção de fazer o bem. Se for para morrer, que seja igual a eles.
E se eu não conseguir resgatar ninguém pelo menos levo uns putos comigo para a vala. Encerro minha transmissão por aqui, cada vez mais estou entrando em lugares mais perigosos, minha única companhia só pode ser minha arma de agora em diante. Tenho de ficar cada vez mais atento e em alerta e não posso deixar que uma câmera divida a minha atenção. Por isso,
Fim de transm….