Para Astolfo há apenas duas datas importantes no ano: seu aniversário e o natal. E o que essas datas têm em comum? Naquela, comemora seu aniversário e recebe presente de todos, familiares e amigos. Talvez Astolfo seja amado, ou apenas viva em uma classe social onde o amor é medido com dinheiros e bens. E neste, historicamente, deveria comemorar o nascimento de Jesus, data importante no calendário greco-romano, o qual, por viver no ocidente, sua família e toda sociedade segue. Deveria, mas como toda e qualquer outra criança, Astolfo prefere, ao invés do exercício de orar a Cristo, o exercício de rasgar a embalagem do seu mais novo e favorito presente, um presente que amaria com todo seu coração, até seu próximo presente, no seu próximo aniversário.

Além dos presentes havia outra coisa que gostava no Natal, tanto quanto, senão mais que o menino Jesus, o Papai Noel. O bom velhinho vinha todo ano, na madrugada do dia vinte e cinco, para lhe presentear com algo supérfluo que havia pedido em sua carta no começo de dezembro. Era no que Astolfo acreditava. Nunca havia tido ou visto qualquer sinal do Papai Noel, mas todos comentavam seu nome, e sempre que Astolfo o tentava pegar de surpresa, na calada da noite, provavelmente já havia ido embora, e tudo que restava eram presentes que não estavam lá poucos minutos antes do garoto ir dormir.

-A ceia está pronta! – Gritou Zizinha, avó de Astolfo, lá da cozinha, pondo na mesa um grande e gordo pernil. Era regra da casa, vovó cozinhar a ceia e Marcela, mãe de Astolfo a auxiliar com a mesa, enquanto John, o pai, fumava seu fedorento charuto Montecristo, lendo jornal e jogando conversa fora com Joana, sua irmã, que mais parecia um rádio pois falava pelos cotovelos e não esperava resposta vindo do seu ouvinte.

-Já vamos! – Respondeu Astolfo de seu quarto, desligando a televisão. Estava assistindo qualquer filme besta de natal que estivesse passando na Globo naquele horário.

-Vamos Enrique, todos já estão lá embaixo, falta só a gente.

-Dá pra calar a boca? Tu ta me desconcentrando – respondeu Enrique enquanto movimentava sua mão repetidas vezes de baixo do coberto. – Tais ouvindo como ela geme? Essa aqui é muito melhor que um pernil, é a ceia de natal e ano novo completa!

Logo voltou a ficar absorto no seu celular, não esperava a resposta do primo à sua pergunta, tampouco sua reação à sua afirmação. Astolfo, com seus nove anos, ainda não entendia o que seu primo estava fazendo, nem sua fissura por garotas, era puro demais para isso. 

-To descendo – falou para Enrique e correu para a cozinha.

Todos estavam vestidos como de costume: Zizinha com seu grande vestido amarelo de bolinhas brancas, calçando seu crocs preto. Marcela com uma regata verde musgo, de poliéster, uma calça jeans boca de sino e uma sandália nude.  Joana com um cropped preto, shorts jeans e uma rasteirinha preta com uma flor de enfeite. E John, camiseta xadrez da John e John, uma calça jeans clara e um sapato muito bem engraxado.

Astolfo chegou na cozinha e sentou-se ao lado da mãe, que estava sentada ao lado do pai, que estava sentado ao lado da tia, que brevemente estaria sentada ao lado de Enrique, que estaria sentado ao lado da avó, que estaria de frente para o pai.

-Ontem estive no cabeleireiro, e tu nem acredita, adivinha quem eu encontrei – falou Joana esperando uma resposta do monossilábico John.

-Quem? – Lambeu a ponta do dedo e virou a página de seu jornal.

-A Elizete!!! Tu acredita que ela deu as caras no cabeleireiro que eu vou, sem ter pagado os cinquenta reais que me devia? Mais olha, na semana passada disse que não tinha os cinquenta reais, mas ontem me apareceu no cabeleireiro, comprando um corte de cabelo de cento e cinquenta reais! Vê se pode uma coisa dessas. E outra, me comprimentou como se nada tivesse acontecido, e eu para manter a pose comprimentei de volta, depois, quando acabou seu corte, foi embora e nem sinal de que iria me pagar coisa alguma. Mas é uma mocreia mesmo.

John ergueu levemente a sobrancelha como resposta.

-Ótimo, Enrique chegou! – comentou Zizinha.

-Sente-se do lado de mamãe, querido – disse Joana descansando a mão sobre o encosto da cadeira como indicação de onde Enrique deveria sentar-se.

-Podemos comer logo? To cheio da fome – falou Enrique se dirigindo ao seu lugar enquanto secava suas mãos em sua camisa, eliminando qualquer vestígio dos pecados cometidos no quarto de Astolfo poucos minutos antes.

-Nada disso, garotinho. Primeiro devemos orar – respondeu Marcela com um suave sorriso em seu rosto.

Enrique semicerrou os olhos. Não gostou de ser chamado de garotinho, afinal, já tinha treze anos.

Todos se levantaram. A palma da mão esquerda se encontrava com a palma da mão direita do próximo. Foi feita a oração, de forma breve mas apaixonada, pela querida Marcela, que pretendeu não se alongar muito pois todos estavam famintos.

-Belíssima como sempre meu amor – disse John, beijando a mão de Marcela enquanto sentava-se.

-Obrigada, querido.

O jantar transcorreu agitado para Joana e Marcela que colocaram em dia todas as conversas não faladas durante o ano, já que se vem poucas vezes. Por outro lado, o jantar corria tranquilamente para os outros membros da família.

-Então, Astolfo, ansioso para abrir o seu presente? Será que o Papai Noel vai trazer aquilo que você pediu? – perguntou Zizinha para quebrar o silêncio entre os homens.

-Espero que sim, vovó – respondeu enquanto mastigava um grande pedaço de pernil e uma pequena folha de alface.

-E o que você pediu? – perguntou de novo para não deixar a conversa morrer, porque sabia que Astolfo não iria prosseguir com o assunto porque sempre fica focado quando come.

-Não posso contar, sei que o Papai Noel já está com meu presente, mas, para não dar azar, prefiro não contar – respondeu Astolfo decidido – e você Enrique?

-Eu não pedi porra nenhuma, Papai Noel não existe, e essa parada de pedir presente é coisa de… 

-Olha a boca, criança! E Papai Noel existe sim, não fale aquilo que não sabe – disse John sem tirar os olhos da comida mas erguendo a voz para chamar atenção do garoto desrespeitoso.

Humpf, velho desse jeito e ainda acredita em contos de fadas? – respondeu Enrique achando graça da situação – Primeiro que sempre fui um bom garoto e nunca recebi nada dele, nem um cartão escrito “Feliz Natal”, sempre recebi presentes só da mamãe. Segundo, nunca nem vi ou ouvi ele lá em casa e papo reto mesmo, na virada pro Natal estou sempre acordado mesmo que mamãe fale para ir dormir.

-Ele não precisa ser visto ou ouvido para provar sua existência. Sua existência é provada de várias maneiras todos os dias no coração das pessoas e agradece por somente não receber presente, porque não lhe foi tirado seu maior presente que é a vida. Então pare de reclamar de barriga cheia e de falar merda – John estava começando a perder a paciência.

-Como assim “não lhe foi tirado seu maior presente que é a vida”, papai? – perguntou Astolfo sem entender o porquê da frase do pai.

-O natal é uma época muito generosa, ninguém fica de fora, nem as pessoas más, e tudo nos é pago na mesma moeda que pagamos. Se alguém paga, alguém cobra. E quem cobra, cobra caro. O maior cobrador que conhecemos é o Papai Noel, cobrador dos bons. Apenas espera ser pago com boas atitudes, sendo uma pessoa boa para si mesmo e para os outros. Fazendo isso, o cobrador te dá uma recompensa, que é um presente a sua escolha. Mas, há também o outro cobrador, tão antigo quanto o Noel, se não mais. 

As mulheres pararam de falar para escutar a conversa. Perceberam que o ambiente havia ficado pesado.

-Outro cobrador? Que tipo de metáfora é essa? – respondeu Enrique se escondendo atrás da sua covarde personalidade de pré-adolescente metido e superior a todos.

-Já chega desse assunto, vamos falar de outra coisa – falou Joana logo em seguida para tentar mudar de assunto, estava ficando nervosa com o rumo da conversa.

-Oh não, agora que já estamos aqui! O outro cobrador é o Pelznickel…

-Já chega, não preciso ficar relembrando dessas coisas. Vou para o meu quarto – disse Zizinha arrependida por ter iniciado a conversa e se levantando para se dirigir aos seus aposentos.

-Primo próximo do próprio diabo o Pelznickel é um demônio personificado com vestes de folhas mortas ou ressecadas, chifres grandes e ondulados, igual os do capeta, e um rosto animalesco desconfigurado. Carrega consigo um grande saco preto, cajado e correntes, você sempre sabe quando ele está próximo. O Papai Noel cobra a bondade e o Pelznickel cobra tudo aquilo que você não pode pagar ao bom velhinho, cobra o que você tem de pior. Não há presentes, não há recompensas, só há tomar o pouco que você já tem e esse pouco é a sua vida miserável, sendo levada das formas mais horríveis que se podem ser pensadas – John juntou arroz com uva passas, alface, milho, tomate e um pedaço de pernil no garfo e enfiou na boca, mastigando lentamente enquanto olhava para o rosto assustado de Enrique.

Enrique percebeu que havia deixado transparecer fraqueza e logo se recuperou.

-Também iremos nos retirar – disseram Joana e Marcela, que apesar de diferentes, não toleram esse tipo de assunto.

Enrique acompanhou com os olhos a saída de sua mãe. Agora estava sozinho com o tio e com o primo, não podia fraquejar. Não podia demonstrar ser inferior a um velho e a um pivete.

-Ah, conta outra, isso ai qualquer um pode ver na internet, isso é só lenda urbana que o senhor fica acreditando e achando que dá medo, mas só acredita quem é idiota, e aparentemente o senhor é muito idiota – retrucou Enrique achando que finalmente conseguiu impor o poder que tinha.

-Sua tia já lhe falou do irmão? – perguntou John.

-Que irmão? – perguntou os garotos em uníssono.

-Aquele que o Pelznickel levou…

Fez uma breve pausa para terminar de mastigar.

-Assim como vocês éramos jovens, recém havíamos descoberto que era possível ter pelo em nosso corpo. Quando seu tio viu um fio de pentelho pela primeira vez ficou encantado, agora se tornará um homem e já não poderiam chamá-lo de criança ou de qualquer outros nomes o ridicularizando, nem os garotos que faziam bullying com ele, nem as garotas que caçoavam da cara dele. Encantado como estava e decidido a mostrar que havia crescido, chamou uma dessas garotas em um canto da escola e mostrou o pelo para ela. A garota ficou horrorizada pois viu muito mais do que o pelo. Seu tio começou a se divertir com a situação e percebendo que a garota estava desconfortável, começou a se aproximar mais dela segurando o objeto de desconforto entre suas mãos. Quanto mais a garota se afastava mais ele se aproximava. Ela tentou gritar mas ninguém a ouviu porque estavam muito longe de qualquer outro aluno ou professor. Encurralada, a garota não tinha mais para onde fugir e como um ato de crueldade seu tio agarrou a mão da garota e a colocou logo abaixo de seu pentelho, bem em sua vergonha, e a fez movimentá-lo. Seu tio não era grande, mas a garota era menor que ele. Poderia fazer o que quisesse com ela, e fez. Seu tio fez a garota jurar que nunca contaria nada a alguém se não a mataria. Mas ela contou e contou para mim.

Os garotos estavam pasmos. Astolfo que até a pouco não compreenderá o que seu primo estava fazendo em seu quarto passou a entender toda a situação, seu véu da pureza havia ido por água abaixo. Tão jovem, pobrezinho. Nem ele nem Enrique conseguiam comer.

-Na noite de natal do mesmo ano do acontecimento eu e o tio de vocês decidimos aguardar a chegada do Papai Noel. Ficamos acordados até ouvir as doze badaladas da meia noite. Estávamos ansiosos. Passou-se uma hora. Passaram-se duas horas. Passaram-se três horas até que ouvimos um barulho estranho vindo de dentro da chaminé. Rapidamente saímos do estado sonolento que estávamos e passamos a ficar em alerta pois a qualquer momento o Papai Noel poderia descer. O som estranho ia se aproximando cada vez mais, estavamos acompanhando com nossos olhos os lugares pelos quais achávamos que o dono do som estava passando até que o som se encerrou e lá estava ele. Ele era tudo, menos o que estávamos esperando. Ele era imenso e grotesco com grandes olhos negros, pelos misturados com folhas, fedorento e chifrudo, carregando consigo um grande saco. Não sabíamos o que fazer, estávamos paralisados. Mas eu percebi que eu não deveria fazer nada, porque não era a mim que ele queria. Seus olhos penetravam a alma de meu irmão que já não estava mais ali em espírito, estava pálido como se sua alma tivesse saído do corpo. E então, o Pelznickel abriu seu enorme saco e meu irmão caminhou para dentro dele hipnoticamente, sem nem titubear. Tendo concluído sua tarefa, a aberração fechou o saco e da mesma forma que chegou, sumiu. Desde então, até os meus dezoito anos fui um garoto bom, com muito medo mas bom. Após essa idade a vida me mostrou que era difícil ser bom na sociedade em que vivemos – John terminou sua janta e sua história.

Astolfo e Enrique estavam em um transe de medo, mas logo que Enrique saiu do transe correu para o quarto de Astolfo onde iria passar a noite. Vendo que o sobrinho havia deixado o recinto, John olhou seriamente para o filho que ainda estava em choque. Astolfo não sabia o que pensar, estava aterrorizado, ouvira tantas coisas problemáticas em tão pouco tempo que seu cérebro parecia ter parado de funcionar.

Passados alguns segundos, John deu um tapinha nas costas do filho e riu.

-Era brincadeira, filho – e começou a gargalhar o mais baixo que conseguia para que os outros não conseguissem ouvir de seus quartos – só estava querendo dar uma lição nesse meu sobrinho metido e acho que ele aprendeu muito bem!

-Mas e seu irmão? – perguntou Astolfo voltando do transe e encarando o fato de que mesmo sendo uma brincadeira nunca mais iria viver sem saber o que foi dito pelo pai.

-Não existe, criei um irmão imaginário só para colocá-lo na história e fazer parecer mais real. Ele não existiu, nem a garota, nem nada que contei – controlando-se, John parou de gargalhar – pode ficar tranquilo, Pelznickel não existe. Agora boa noite filho, termine de comer, coloque seu prato na mesa e vá deitar que amanhã você vai acordar cheio de presentes para abrir.

Seu pai deixou a cozinha e foi dormir. Astolfo fez o mesmo pois não queria ficar sozinho, mesmo sabendo que o Pelznickel não existia, depois de tudo que foi dito, preferia não arriscar. Subiu para o seu quarto, deitou em sua cama e quando seus olhos se acostumaram com o escuro, encarou Enrique que estava deitado no colchão ao chão. Ficou pensando qual seria o destino de Enrique se o Pelznickel realmente existisse e com esse questionamento pegou no sono.

Soaram as doze badaladas.

Astolfo acordou de repente no meio da noite. Estava soando frio, acabara de ter um pesadelo onde o Pelznickel o colocava no saco e o levava para algum lugar bem longe onde poderia gritar até ficar mudo e seus pais nunca o encontrariam. Depois de alguns segundos aterrizando de volta à Terra, certificado de que estava totalmente acordado, olhou para baixo para ver como Enrique estava, gostaria de saber se também teve algum pesadelo. Mas para a sua surpresa, não o encontrou deitado em sua cama. Astolfo ficou preocupado por alguns segundos mas logo percebeu que o lugar mais lógico de se estar seria o banheiro e como também estava com vontade de ir ao banheiro, decidiu ir atrás de Enrique.

O banheiro ficava a alguns metros do quarto de Astolfo, uma distância curta o suficiente para que ele não tivesse medo de ir sozinho. Ao abrir a porta de seu quarto e olhar para o banheiro percebeu que não havia luz no vão da porta. Não havia ninguém no banheiro. Lentamente, Astolfo começou a caminhar em direção ao seu destino mas logo parou pois ouviu um barulho estranho vindo do primeiro andar. Ouviu um tilintar nada característico vindo da sala. Ficou ansioso, não sabia se descia e corria o risco de descobrir se era o Papai Noel ou se era o Pelznickel. Nunca havia feito uma escolha tão difícil em sua vida. Mas, se fosse o Papai Noel, provavelmente Enrique seria o único que o veria e o abraçaria enquanto fazia mil e uma perguntas. Astolfo não podia perder a oportunidade, então, se agarrou ao pensamento de que poderia ser o Papai Noel e desceu as escadas.

A direita das escadas, no primeiro andar, ficava a cozinha, e a frente, ficava a sala. O garoto chegou rapidamente no primeiro andar, sempre andava rápido, e olhou diretamente para a porta da sala. Era uma porta baixa o suficiente para tampar a visão de Astolfo em relação ao teto do cômodo. Andou em direção a porta. Apesar dos olhos estarem acostumados com o escuro, ainda assim não conseguia ver muito bem, achava ter visto o que era um par de sapatos balançando no ar e sabia que, por causa do escuro, seu cérebro estava lhe pregando uma peça. Acendeu a luz. Mas preferia não ter o feito. Quando olhou para cima suas dúvidas estavam confirmadas. Era sim um par de sapatos, porém não estavam flutuando, e sim, calçando os pés de Enrique que estava amarrado com correntes pelo pescoço. Astolfo não podia acreditar no que estava vendo. Fechou os olhos por alguns segundos para tentar acordar de um sonho que achava estar vivendo naquele exato momento, mas, ao abrir, se viu imerso em seu pesadelo. Ao abrir os olhos, na sua frente, desamarrando do candelabro a corda feita de correntes, havia um ser imenso, com mãos grandes e largas que tocavam com facilidade tanto o chão quanto o teto. Seu pesadelo era quase real, exceto por uma coisa: o pelznickel não queria ele e sim o seu primo. O corpo, ao ser desamarrado dos seus dois metros de altura, caiu duramente no chão e fazendo um som seco, quebrou o crânio que chocou-se com o chão. Os olhos de Astolfo estavam enevoados, tudo que conseguia ver eram borrões do que outrora havia sido seu primo, e que agora eram apenas manchas de sangue pelo carpete, e o ser animalesco que o desamarrou e agora o estava colocando sobre seus ombros.

Tudo aconteceu muito rápido e quando Astolfo se deu conta o bicho já estava próximo da chaminé. O garoto quis se movimentar mas não conseguia, estava travado, paralizado pelo pavor mas talvez o que mais tenha lhe dado medo não tenha nem sido o primo morto mas sim o sorriso que o monstro lhe deu antes de ir embora. Quando recobrou a consciência de seu corpo, correu de volta para o seu quarto e se enfiou debaixo de suas cobertas, onde ficou acordado até o alvorecer em silêncio absoluto para não ser encontrado por quaisquer demônios.

Quando ouviu a porta de seus pais se abrindo, deu um pulo e agarrado nas cobertas correu até eles.

-Papai, mamãe, o Enrique se foi!!! – O nariz de Astolfo estava escorrendo catarro de tanto chorar.

-Calma filho, se acalme, não estamos entendendo nada – disse Marcela pegando Astolfo no colo.

-O Enrique não estava mais no quarto e quando fui procurá-lo estava lá embaixo amarrado com uma corda que o Pelznickel o amarrou e que depois o soltou para levá-lo embora, assim como o senhor contou na história sobre seu irmão – A boca de Astolfo estava muito salgada de tanto chorar.

-Ei filho, Pelznickel não existe – disse John.

-E quem é Enrique? – perguntou Marcela.

-Seu sobrinho, mamãe!!! – falou Astolfo desconcertado e surpreso com o comentário de sua mãe.

-Mas olha filho, tia Joana não tem filho nenhum não, e pelo o que eu saiba, seu pai não tem nenhum outro irmão.

-Nem que eu saiba – falou John achando graça do comentário.

-Que tal a gente esquecer tudo isso e ir ver se o Papai Noel passou com seus presentes? – perguntou sua mãe tentando fazer o garoto parar de chorar.

-Eu não quero descer! Enrique morreu e o carpete está cheio de sangue, mamãe.

-Deixa disso, filho. Vamos lá – falou o John enquanto caminhava em direção às escadas.

-Viu? Nós falamos, nada além de um monte de presentes!

Astolfo estava surpreso e assustado. Para onde foi parar todo o sangue que estava ali noite passada? Onde estavam os vestígios de que Enrique havia sido morto e sequestrado? Nada. Nem um vestígio sequer, quem dirá uma lembrança de quem um dia foi esse menino. Daquele dia em diante, Astolfo estava transformado, já não era um garoto de nove anos, mas sim um garoto de nove anos com um grande segredo que teria de carregar sozinho para toda sua vida.

Então, o menino andou em direção aos presentes e ajoelhando-se começou a exercitar suas mãos como todas as crianças gostavam no natal, abrindo presentes.

FIM